Diário de Bordo
Madeira e moeda de troca no Pará -
O município de Portel fica ao sul da Ilha de Marajó, uma região repleta de rios, a meio caminho entre Macapá e Belém. Na primeira visita da Expedição Vaga Lume a cidade, em 2002, chegamos de barco, vindos do Amapá. O barco em que viajávamos, ia buscando e deixando cargas e passageiros a cada parada, carregando uma quantidade enorme de madeira. Numa das localidades, por nome Betéu de Breves, havia uma serraria e um pátio, onde meninos trabalhavam na fabricação de cabos de vassouras. Numa outra, havia uma grande produção de palitos de dentes. Em Portel, espantou-nos a quantidade de balsas carregadas com toras e mais toras de árvores serradas. Em toda a região, vendia-se madeira com tranqüilidade. Não encontramos nenhuma fiscalização. Dois anos depois, voltamos a Portel: nós, as eleições e as balsas novamente! Dessa vez, a chegada foi pelo ar: pousamos na pista de uma fazenda com um avião Caravan da FAB. A bordo do barco Rio das Flores III, passamos 2 semanas trabalhando em 10 comunidades rurais.Na comunidade São Sebastião, conhecemos Seu Jiloca, caboclo simpático, cerca de setenta anos, natural do igarapé Maparauá. Amável e muito conversador, Seu Jiloca nos levou na mata para ver como é que 'se puxava madeira com caminhão'. Nos contou que a madeira é toda vendida a empresas ou regatões. Os regatões são uma espécie de mercearia fluvial ambulante, onde se troca a madeira bruta por sabão, cigarros, macarrão, bolachas, roupas, café, açúcar, etc... As empresas exportam quase a totalidade de sua produção e há demanda enquanto houver madeira. Por isso as balsas trabalham incansavelmente levando os antigos jatobás, cumarus e angelins pedra para o porto de Belém. Para uma paulistana, é difícil compreender como Seu Jiloca consegue dispor de uma árvore de mais de 150 anos sem sentir culpa ou remorso. É difícil acreditar que aquele senhor adorável seja um agente de desmatamento da Floresta Amazônica. Ele percebe nossa admiração e se explica: vender madeira é a única alternativa que conhece para ganhar dinheiro e comprar alimentos, óleo para o gerador de energia, botas e os remédios que precisa. Eu pergunto quanta madeira ele já tirou em sua vida. 'Muuuita mesmo: antigamente tinha demais!", ele diz. Hoje só resta a madeira branca, de menor valor. A madeira de lei já foi na sua maior parte derrubada. "O que vai sobrar para seu neto tirar, Seu Jiloca? Do que ele vai viver?". Ele fica pensativo... Seu Jiloca, por sua vez, fica admirado em saber temos um rio na nossa cidade onde não se pode lavar roupa, nadar ou pescar. "Mas como?", quer saber. A melhor explicação que tenho para dar é que os que vieram antes de nós não souberam utilizar os recursos do rio pensando no futuro.Como seria bom que Seu Jiloca tivesse a sabedoria que não tivemos de pensar no futuro. Mas os seres humanos parecem precisar viver a escassez de recursos para querer preservá-los.
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